A expectativa sobre o ato de cuidar

A palavra “cuidar”, na língua portuguesa, significa aplicar a atenção, o pensamento, a imaginação. Refere-se também ao ato de ter cuidado de forma geral e, mais especificamente, consigo mesmo. Segundo Saliba, Moimaz, Marques e Prado (2007), esta palavra pode denotar também uma ação dinâmica, refletida, pensada. Já o termo “cuidado é, na verdade, o suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência” (DUARTE; MELO; AZEVEDO, 2008, p. 372).

Entende-se nesse estudo que cuidar não é apenas um ato, mas uma atitude. A esse respeito vale referendar o teólogo e filósofo Leonardo Boff, segundo o qual:

[…] nós cuidamos de nossa casa, subentendemos múltiplos atos como: preocupamo-nos com as pessoas que nela habitam dando-lhes atenção, garantindo-lhes as provisões e interessando-nos com o seu bem-estar. Cuidamos da aura boa que deve inundar cada cômodo, o quarto, a sala e a cozinha […] (BOFF, 1999, p. 33).

Refletindo sobre esses aspectos do cuidar, Boff (1999) entende tal atitude como natural do ser. A maioria dos indivíduos, com condições normais e saudáveis de sobrevivência, tem a consciência de que para viver com qualidade, é necessário zelar pelos seres que constituem seu hábitat, ou seja, aqueles considerados relacionáveis. Fazemos tudo isso porque somos simplesmente humanos e temos o autocuidado como símbolo da nossa condição humana (BOFF, 1999).

Partindo-se do princípio de que o cuidado é inerente a tudo que é humano, faz-se referência ao cuidado da mãe tido como natural em relação ao seu bebê. Um natural, que como arrisca dizer Campos (2006), talvez seja instituído por um desejo que surge antes mesmo da gestação, o desejo de se ter um filho. Com base na teoria de Winnicott (1982), que descreve o significado de cuidar nessa relação, estima-se que o ato de cuidar na relação cuidador-cuidado, seja representado pelo mesmo “holding”, ambiente acolhedor e facilitador que a “mãe suficientemente boa” possibilita ao seu bebê.

A “mãe suficientemente boa” descrita por Winnicott (1999) refere-se àquela capaz de captar e atender as necessidades essenciais ou iniciais do filho de forma sentida, e não expressa em palavras já que o bebê (infante) não verbaliza. O autor quer enfatizar a mãe que “comumente” dá atenção ao seu bebê. A sensibilidade da mãe é essencial nesse processo e também tem relação com a identificação que esta faz com o seu filho.

O “holding” é um dos pilares da teoria do desenvolvimento por Winnicott (1999) que abrange os aspectos anteriormente mencionados. Trata-se do “ambiente de facilitação” ao “processo de maturação” do bebê; é o conjunto de cuidados dedicados pela mãe, que dá ao “infante” a oportunidade de ser, para em seguida ajudá-lo a firmar em sua capacidade de sentir-se real, de lidar com o mundo externo, favorecendo o seu desenvolvimento psicológico.

Não obstante as referências acima destacadas, ainda há inúmeras compreensões equivocadas que se formam em torno do sentido do cuidado e que podem determinar sua qualidade. Em estudo realizado com cuidadores para análise de interações com idosos (PAVARINI apud NÉRI; CARVALHO, 2002) observou-se que esses profissionais praticavam o cuidado “em lugar do idoso”. A autora destaca que os cuidadores observados não entendiam o cuidado como uma promoção da autonomia, e nem estimulavam a independência quando se tratava de um idoso sem dependência total (NERI; CARVALHO, 2002).

Tal situação se apresenta de forma contraditória ao que se percebe do ponto de vista winnicottiano, cuja ideia defendida pelo autor baseia-se no fato de que o ato de cuidar deve-se constituir apenas na produção de um ambiente que facilite o processo de desenvolvimento da criança. E nesse sentido, não deve ser a mãe o elemento principal desse processo, mas sim fornecer simplesmente o suporte para que a criança através de seus processos psíquicos individuais atinja sua única e própria maturação. Ainda nesse estudo de Pavarini (apud NÉRI; CARVALHO, 2002), observou-se outra crença identificada nesses profissionais, é a de que a velhice vem acompanhada de dependência, doença e outras mazelas consideradas normais da idade (NERI; CARVALHO, 2002).

Diante de tais equívocos quanto à essência da função de cuidar e sobre o processo de envelhecimento, torna-se relevante atentar-se para o modo de percepção e atuação dos cuidadores frente ao ser idoso e aos cuidados demandados por ele. Tal percepção e maneira de assistir podem estar relacionadas à sua preparação para o exercício desse papel junto a pessoas que estejam passando por aquele processo.

No contexto atual o cuidador aprende com seu próprio fazer. Nesse fazer desenvolve percepções sobre si e sobre aqueles de quem cuida. Na relação cuidador-ser-cuidado, ocorre uma experiência mútua, cuja profundidade e percepção da mesma dependem do modo de compreensão e absorção de cada um dos atores. Se as percepções desenvolvidas pelos cuidadores ao longo de seu fazer constituem-se em parâmetros para o próprio ato de cuidar, torna-se relevante conhecê-las de forma mais precisa.

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